IV Encontro de Jovens Lideranças Jongueiras

Olha eu vim de São José
Imaginando esta cena
Todas lideranças jovens
No encontro em Miracema

(Luciana Santos, Jongo de São José dos Campos/SP)

 

       O ponto criado por Luciana Santos, do Jongo Mistura da Raça, de São José dos Campos/SP, expressa parte da experiência dos participantes da Quarta Reunião de Articulação da Rede de Jovens Lideranças Jongueiras, em Miracema, no Rio de Janeiro. Nos dias seis a nove de setembro de 2012, 40 jovens de onze comunidades jongueiras se reuniram para debater os desafios do grupo e construir estratégias para a preservação do jongo.

       A Rede de Articulação de Jovens Jongueiros do Sudeste surgiu a partir de uma sugestão dos jongueiros reunidos na II Noite de Jongo, realizada entre 22 e 24 de outubro de 2010, em Vassouras/RJ. O evento reuniu 95 jovens das comunidades com o objetivo de incentivar sua participação no processo de salvaguarda e na divulgação do jongo. As lideranças jovens decidiram realizar reuniões periódicas, a fim de traçar propostas para o fortalecimento do grupo. Como continuidade deste processo, a quarta reunião da rede incluiu temas sugeridos pelos próprios jovens, entre eles identidade negra, gênero e sexualidade, e mecanismos de acesso ao ensino superior.

       As ações da Quarta Reunião de Articulação foram organizadas por bolsistas do Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu e efetivada pelo Programa de Extensão Universitária (ProExt), criado pelo Ministério da Educação em 2003, com a proposta de apoiar as universidades  no desenvolvimento de projetos que contribuam para a inclusão social por meio da implementação de políticas públicas. Estiveram presentes as comunidades Jongo da Serrinha (Madureira – Rio de Janeiro/RJ), Quilombo Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis/RJ), Jongo de Pinheiral/SP, Jongo de Arrozal/RJ, Sementes da África (Barra do Piraí/RJ), Caxambu Renascer de Vassouras/RJ, Caxambu de Miracema/RJ, Jongo Michel Tannus (Porciúncula/RJ), Caxambu Filhos de Eva (Carangola/MG), Jongo Dito Ribeiro (Campinas/SP) e Mistura da Raça (São José dos Campos/SP).

 

       A programação teve início na manhã da sexta-feira quando representantes das comunidades informaram acerca das dificuldades enfrentadas em cada região, como o não reconhecimento local e o preconceito étnico-racial. Após os informes, foi realizada a primeira dinâmica de identidade negra do evento. Baseada no ponto “Minha raiz é negra / Veio de Angola distante” - composto por Xande para o Jongo de Pinheiral, cada integrante da roda explicava o porquê de sua raiz negra. Com um rolo de barbante em mãos, o participante compartilhava tais elementos de identidade negra e passava o barbante para outra pessoa da roda. A partir da teia formada pela troca do barbante, os participantes perceberam que o amor pelo jongo é o elo que os torna uma rede unida.

 

       À tarde, outra oficina buscou tratar de temas como machismo e racismo, inspirada na metodologia do Teatro do Oprimido, pelo qual é possível intervir na encenação e alterar o enredo. A atividade pretendia estimular os participantes a perceber como o preconceito se expressa e, assim, formular estratégias para reagir a ele e combatê-lo. Os jovens foram divididos em cinco equipes para representar as seguintes situações-problema:

  • um aluno se recusa a ser par de uma colega de classe negra na quadrilha de festa junina, e a professora se comporta de forma negligente;
  • em um baile, a amiga de homem casado o incentiva a “ficar” com uma mulher tachada como “provocante”;
  • rapaz negro tenta vaga de estágio em escritório de advocacia, mas é hostilizado;
  • uma mulher negra busca emprego em uma loja onde apenas pessoas de cabelo liso são contratadas;
  • em uma loja de roupas, a vendedora se recusa a atender um grupo de clientes negros por considerar as roupas muito caras para eles.

 

       Na discussão sobre as cenas, os atores se identificaram com as situações apresentadas e refletiram entre si sobre os conceitos equivocados transmitidos de forma sutil pela sociedade. Udson Nascimento, do Caxambu de Miracema, falou sobre a experiência de racismo que viveu em uma loja de calçados. “Sou apaixonado por bicicletas e estava observando uma enquanto minha namorada experimentava uns sapatos. Quando ela se decidiu, pediu à atendente que me chamasse do lado de fora da loja. A vendedora me viu e disse à minha namorada que na porta da loja só havia um ‘neguinho’ de olho na bicicleta de alguém”, contou o jovem.

 

       A festa tradicional do Morro do Cruzeiro, que ocorre todos os anos no feriado da Independência ficou ainda mais colorida em 2012. Todas as comunidades formaram uma grande roda para celebrar o Jongo/Caxambu, com a presença ilustre da grande mestre jongueira da cidade, Dona Aparecida Ratinho.

       No sábado, a Casa Cultural Cara da Rua abriu as portas para os visitantes. Desde 2003, o projeto tem forte papel social com os jovens e atua na divulgação da cultura popular local, cujas principais manifestações são o Boi Pintadinho e o Mineiro Pau. Os coordenadores José Antônio Xavier e Alex Ricoboy contaram sobre as conquistas do trabalho e os obstáculos que enfrentam para manter a Casa.

           

 

       Ainda pela manhã foi realizada uma roda de conversa sobre acesso ao ensino superior. Além das experiências contadas por jovens jongueiros que já chegaram à universidade, a plateia recebeu uma cartilha informativa a respeito dos métodos de seleção das principais instituições do Sudeste. Os participantes se queixaram da falta de incentivo nas escolas quanto aos mecanismos de ingresso nas instituições. À tarde, o debate se aprofundou em torno das políticas de ação afirmativa. Foram apresentadas frases com argumentos contrários às cotas e reportagens a respeito do assunto. Foi um bom momento para tirar dúvidas e perceber que a cota é um direito da população negra.

       O coordenador regional do Pontão, Paulo Rogério, ministrou a Oficina de Transmissão de Saberes. O anfitrião do evento destacou as peculiaridades de cada região e enfatizou a importância do respeito aos tambores e aos mais velhos no momento de tocar e cantar o jongo.

       A programação do sábado à noite foi agitada. As líderes jongueiras Maria de Fátima dos Santos (Pinheiral), Maria das Dores Ferreira (Carangola), Luciana Adriano (Angra dos Reis) e Eva Rosa (Barra do Piraí) formaram a mesa de mulheres. Elas ressaltaram a importância do núcleo feminino nas comunidades e sugeriram que os jovens pesquisem as grandes mulheres negras que marcaram sua região. Durante o bate-papo, surgiu a ideia de criar uma oficina de pontos, para que os jovens saibam o significado do que cada grupo canta. Após a conversa, as jovens lideranças jongueiras organizaram uma reunião própria, a fim de definir suas próximas tarefas. Mesmo com tantas atividades, ainda sobrou energia para uma confraternização no Centro Cultural Ratinhos do Jongo.

       Antes do retorno às suas cidades, os participantes fizeram uma avaliação do encontro e apresentaram as resoluções da reunião do dia anterior. As decisões do grupo demonstraram o comprometimento dos jovens com a rede e a meta de preservar e divulgar o jongo. Como já rimava o líder jongueiro Jeferson Alves - o Jefinho Tamandaré - do Jongo de Guaratinguetá, “Que Deus dê a proteção pro jongueiro novo / Pro jongo não se acabar”.

           

 

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