Dia 26 de julho – Dia Estadual do Jongo no Rio de Janeiro

por Elaine Monteiro

 

Ó Deus nos salve a Angoma, Puíta, Candongueiro, Tambu, Caxambu;

Senhora Sant’Ana, eu sou o Jongo!

 

Esses versos dão início ao Jongo de Lazir Sinval, do Jongo da Serrinha. Seu título, “Vida ao Jongo”, celebra o dia de hoje, 26 de julho, Dia de Sant’Ana, sincretizada com Nanã nas religiões de matriz africana, como Dia Estadual do Jongo. Uma homenagem à ancestralidade feminina, às pretas velhas jongueiras, avós que souberam abençoar e nutrir as novas gerações com uma forma de expressão hoje consagrada como patrimônio cultural do Brasil.

No dia 26 de julho de 2011, Rio de Janeiro, comunidades articuladas no Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu, por intermédio da Comunidade do Jongo da Serrinha, em diálogo com a Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa, conseguiram a promulgação da Lei Nº 6.098, de 05/12/2011, que instituiu o dia 26 de julho como Dia Estadual do Jongo.

Estamos no sexto ano do Dia do Jongo, e as comunidades têm encontrado, neste período, várias formas de celebração. Constataram, por exemplo, logo no início, que o ato de criação do Dia do Jongo, em 2011, não era só para festejar a data, mas que seria importante manter neste dia o diálogo com representantes do Estado, em audiências públicas e seminários, como forma de dar visibilidade a questões que envolvem as comunidades jongueiras e a salvaguarda do patrimônio imaterial no estado do Rio de Janeiro. Assim o fizeram em 2011, 2012, e 2015. Em 2014, as comunidades que puderam se deslocaram até Pinheiral, que realiza, no Dia de Sant’Ana, a sua padroeira, uma grande festa comunitária.  Em 2013, cada comunidade celebrou a data em sua própria casa. Em 2015, muitas comunidades se reuniram novamente em Pinheiral, houve reunião de articulação de lideranças jongueiras, de jovens lideranças jongueiras, e a inauguração do Memorial Passados Presentes na cidade.

Neste ano de 2016, a comunidade de Pinheiral mantém a sua celebração da Festa de Sant’Ana, a qual foi incorporada a celebração do Dia do Jongo. O Jongo da Serrinha, além de uma celebração interna, na Casa do Jongo, fará uma celebração pública da data na quinta-feira, dia 28, no Trapiche Gamboa, junto com o grupo Razões Africanas.

Desde a criação do Dia do Jongo, algumas conquistas das comunidades marcaram transformações nas vidas das mesmas, como o ingresso de jovens nas universidades e a formação no ensino superior, como a titulação do Quilombo São José da Serra, como a construção da Casa do Jongo na Serrinha, como a inauguração do Memorial Passados Presentes em Pinheiral, no Quilombo São José da Serra, e no Quilombo Santa Rita do Bracuí, como o reconhecimento da escola municipal do Bracuí como escola quilombola, como a criação do Quilombinho Ratinhos do Jongo, em Miracema, como a ampliação do trabalho realizado nas escolas por várias comunidades, e como a nomeação de Maria de Fátima Silveira Santos, a Fatinha, do Jongo de Pinheiral, como integrante do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Um desdobramento importante da criação do Dia do Jongo no estado do Rio de Janeiro foi a criação do Dia Municipal do Jongo em municípios do Vale do Paraíba.

No dia 07 de abril de 2014, Pinheiral foi o primeiro município do estado do Rio de Janeiro a instituir, por meio da Lei Nº 044/2013, o Dia Municipal do Jongo. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de um mestre da comunidade, Mestre Cabiúna.  A partir do reconhecimento do Jongo no município pelo Poder Legislativo, com a criação da lei, o Poder Executivo tem assumido o compromisso com uma pequena dotação orçamentária mensal como forma de colaboração para a manutenção das atividades da Casa do Jongo de Pinheiral.

Neste ano de 2016, a Câmara Municipal de Piraí, em cerimônia realizada no dia 11 de abril, instituiu o dia 20 de abril como o Dia Municipal do Jongo. O Dia de São Benedito, padroeiro de jongueiros e jongueiras de Arrozal, distrito de Piraí, foi escolhido para a celebração do Jongo na cidade. No dia 13 de maio, um seminário na Câmara Municipal de Barra do Piraí, seguido de Roda de Jongo em praça pública, marcou a criação do Dia Municipal do Jongo nesta data, em homenagem aos pretos velhos.

Aos poucos, a expectativa das comunidades jongueiras com a criação da lei estadual em 2011, de aproximação das esferas de governo e de criação, no nível estadual, de uma política para o patrimônio imaterial, assim como de processos semelhantes nos municípios, se concretiza. Vale dizer que por iniciativa, principalmente, das próprias comunidades junto ao poder legislativo.

Mas ainda há muito a ser feito para que o reconhecimento do Jongo/Caxambu como patrimônio cultural do Brasil, do estado, e de municípios se materialize em reparação na vida de jongueiros e jongueiras. Nesses tempos difíceis, em que ao invés de avançarmos na garantia de direitos tão duramente conquistados parecemos retroceder nas conquistas, com o desmonte da política de titulação dos territórios quilombolas, com retrocessos nas políticas educacionais, e nas políticas sociais de forma geral, com manifestações públicas de racismo e ameaças de retrocesso no campo das políticas de ação afirmativa, vale lembrar uma espécie de “decálogo” das comunidades jongueiras, preparado por ocasião da criação do Dia do Jongo, em 2011, que reproduzimos aqui, assim como lembramos alguns momentos de força e de resistência das comunidades jongueiras na celebração deste dia:

DECÁLOGO DAS COMUNIDADES JONGUEIRAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2011):

1 - QUE O JONGO/CAXAMBU NÃO SEJA APENAS UM PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL, MAS QUE SEJA TAMBÉM PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO E DOS MUNICÍPIOS ONDE  HÁ JONGO/CAXAMBU.

2 - QUE RECONHECER COMO PATRIMÔNIO NÃO SIGNIFIQUE APENAS UM DECRETO OU UM REGISTRO, MAS QUE TODAS AS ESFERAS DE GOVERNO SE ARTICULEM E SE COMPROMETAM COM A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS PARA AS COMUNIDADES JONGUEIRAS, CONSTRUÍDAS DE FORMA PARTICIPATIVA COM AS MESMAS, QUE ATENDAM SUAS NECESSIDADES E GARANTAM:

A – APOIO INSTITUCIONAL ÀS ASSOCIAÇÕES E ORGANIZAÇÕES JONGUEIRAS;

B – APOIO A FESTIVIDADES E EVENTOS REALIZADOS PELAS COMUNIDADES JONGUEIRAS;

C – TRANSPORTE PARA PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS;

D – APOIO PARA A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES EDUCATIVAS E CULTURAIS NAS COMUNIDADES.

3 – QUE TODO E QUALQUER TIPO DE APOIO ÀS COMUNIDADES JONGUEIRAS NÃO SEJA CONSIDERADO COMO “DADO” PELO PODER PÚBLICO, SEUS REPRESENTANTES OU GESTORES, COMO FORMA DE “FAVOR”; QUE SEJA CONCEBIDO COMO OBRIGAÇÃO DO ESTADO NA GARANTIA DE DIREITOS AOS DETENTORES DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE NATUREZA IMATERIAL.

4 – QUE JONGUEIROS E JONGUEIRAS TENHAM PARTICIPAÇÃO ATIVA NOS PROCESSOS DE DISCUSSÃO, ELABORAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS DOS MUNICÍPIOS, POR MEIO DE ACESSO DEMOCRÁTICO AOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE CULTURA.

5 - QUE TODAS AS COMUNIDADES ENCONTREM, EM SEUS MUNICÍPIOS, POLÍTICAS PÚBLICAS QUE GARANTAM APOIO PARA A CRIAÇÃO, MELHORIA E/OU FINALIZAÇÃO DE UMA SEDE PARA O JONGO NA COMUNIDADE QUE SE CONSTITUA COMO CENTRO DE REFERÊNCIA E DE MEMÓRIA.

6 - QUE OS QUILOMBOS RECEBAM OS TÍTULOS DE SUAS TERRAS

7 - QUE AS REDES DE ENSINO, NAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO, ASSUMAM OS SEGUINTES COMPROMISSOS COM A EDUCAÇÃO:

A – EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM TODAS AS ESCOLAS

B – CUMPRIMENTO DA LEI 10.639/2003 EM TODAS AS ESCOLAS

C – TRABALHO COM EDUCAÇÃO E PATRIMÔNIO CULTURAL EM TODAS AS ESCOLAS

D – ACESSO E PERMANÊNCIA DE  JOVENS JONGUEIRAS E JONGUEIROS NAS UNIVERSIDADES POR MEIO DE POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA, COMO POLÍTICA DE COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES E PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS.

8 - QUE TODAS AS COMUNIDADES TENHAM ACESSO DIGNO AOS SERVIÇOS E CUIDADOS DE SAÚDE, ESPECIALMENTE MESTRAS E MESTRES JONGUEIROS

9 - QUE SEJA GARANTIDO A TODAS AS COMUNIDADES O ACESSO DEMOCRÁTICO A PROGRAMAS SOCIAIS QUE ATENDAM AS NECESSIDADES DE SEUS INTEGRANTES

10 – QUE NÓS, JONGUEIROS E JONGUEIRAS, QUE MANTEMOS VIVO O PATRIMÔNIO HERDADO DE NOSSOS ANCESTRAIS E GUARDAMOS A MEMÓRIA DE LUTA DE NOSSOS ANTEPASSADOS FORÇADOS AO TRABALHO ESCRAVO NO SUDESTE BRASILEIRO, POSSAMOS CONTINUAR UNIDOS NOS ENCONTROS, MOVIMENTOS E MANIFESTAÇÕES QUE NOS FORTALECEM, ARTICULAM E NOS PERMITEM RESISTIR COLETIVAMENTE AO RACISMO E ÀS INÚMERAS SITUAÇÕES DE DESIGUALDES SOCIAIS EM QUE FOMOS COLOCADOS.

Nenhum direito a menos!

Neste 26 de julho de 2016, em cada território jongueiro, em cada quintal, na casa de cada mestre, os tambores do Jongo soarão em homenagem à ancestralidade. Parabéns a todas as avós, pretas velhas jongueiras! Saudações a todas as jongueiras, a todos os jongueiros, pelo seu poder de resistência, pelas conquistas, e pela força de suas articulações!